Três poemas e um desenho
1
Fizeram investigações.
Grampearam o telefone.
Verificaram antecedentes.
Vasculharam.
Deram ordens.
Expediram mandados.
Chegaram em plena madrugada,
cercaram a casa
e entraram atirando.
Deixaram meu ponto de vista
ferido de morte
caído no chão.
P. 26
2
Preciso trabalhar
mas tropeço nesses cachorros
perambulando por todos os lados.
Saio de casa.
Tenho compromissos.
Pela calçada, cachorros
passeiam urinando de poste em poste.
Preciso comer mas
e esses cachorros debaixo da mesa,
salivando, gemendo e ganindo baixinho?
Penso em fugir
mas eis o xeque-mate:
algo dentro de mim
de orelha em pé
coça as costas com a perna
e uiva e rosna e late.
p.54
3
Viver com a certeza absoluta
de ser ninguém.
Andar a esmo
sem pertencer a lugar algum.
Ser culpado ou inocente,
tanto faz.
Trazer lembranças de um mundo
que já acabou.
Seguir em frente
não importa para que lado.
Eis a doença
a sina e o dom
do refugiado.
p.83
📝🖼️ Os três poemas e o desenho são do livro “Um peixe boiando no ar”, Ática, 2024.
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