Quatro poemas para jovens, mas não apenas eles
Quatro poemas criados principalmente tendo em vista os leitores jovens, mas não apenas eles.
Que bicho é esse?
Que bicho é esse
Que se esconde no escuro?
Que paz é essa
Que desfaz minha mente?
Que sonho é esse
Que destrói o futuro?
Que terra é essa
Que corrompe a semente?
Que bem é esse
Que liberta e escraviza?
Que mão é essa
Que afaga e afoga?
Que gozo é esse
Que o prazer paralisa ?
Que lei é essa
Que a esperança revoga?
Que doce é esse
Que transmite doença?
Que fome é essa
Que começa e não passa?
Que credo é esse
Que corrói minha crença?
Que sorte é essa
Que cultiva a desgraça?
Que amor é esse
Que me deixa sozinho?
Que prece é essa
Que a desgraça me roga?
Que vício é esse
Que semeia o caminho?
Que vida é essa
Que não sai dessa droga?
Grogue
Sonho poder voar dentro do chão
Acho meu pensamento não sei quando
Sei que não sei que sim mas talvez não
Vou depressa demais quase parando
Sério que falo sério enquanto minto
Masco palavras moles feito mosca
Às vezes sinto e não sinto o que sinto
Vivo numa paisagem frágil e fosca
Paro diante do espelho e não me encontro
Finjo que sei quem sou mas não dá certo
Tento cruzar os trilhos meio tonto
Um trem passou raspando de tão perto
Perco o fio da meada a toda hora
Respondo sempre questões que não escuto
Quando quero ficar já fui embora
Noto que tudo em mim dura um minuto
Preso num labirinto aqui agora
Não sei como dar o fora e fico puto.
E agora, meu?
“E agora José?
A festa acabou
A luz apagou
O povo sumiu
a noite esfriou”
“E agora José” de Carlos Drummond de Andrade
E agora meu?
A balada dançou
A parada miou
O bochicho morreu
O barato melou
A moleza acabou
E agora meu?
E agora você
Que não sabe quem é
Que não sabe o que sente
Nem sabe o que quer
Que não sabe onde está
Onde vai, de onde vem
E agora meu?
Seu pai deu o fora
Mamãe se mandou
A família explodiu
A galera pirou
E o sonho ruiu
E a grana torrou
E a casa caiu
E agora meu?
E se você largasse
Dessa barca furada
Se chutasse a barraca
Se enfrentasse a roubada
Se quebrasse a bocada
No gogó mano a mano
Na pior na porrada
Sempre levando cano
Sem pneu nem estepe
Sem dinheiro nem cheque
Na maior incerteza
Mas sentindo firmeza
Todo meio lesado
Que se estrepe moleque
Na moral ta ligado
Só na manha do rap?
Mas você tem medo pô!
Na boa, cara!
Em cima do muro
Na marra no duro
Sem olho sem lance
Sem sorte nem chance
Sem casa e comida
Lambendo ferida
Sem eira nem beira
Pensando besteira
Bancando o bacana
Devendo uma grana
Sem plano sem prumo
Sem rota nem rumo
Zoado zoeira
Noiado podreira
Chapado perdido
Ferrado fodido
Você vai, cara.
Pra onde meu?
(seria muito legal o leitor ler e comparar com o poema “E agora José?” de Drummond)
Ideias que prendem
Ideias que prendem
são papéis que decoramos feito atores
são cópias de fotocópias de cópias de sonhos
sentimentos, palavras e gestos coagulados.
Ideias que prendem são camisas de força.
Fios que conduzem fantoches.
Fábricas de destinos paralisados
impotentes diante do inesperado.
Ideias que prendem permitem
parar de pensar nos problemas antes de solucioná-los.
Facilitam, amolecem, descomplicam, mas castram.
Seduzem enquanto corrompem.
Ideias que prendem
são drogas que domesticam.
Comidas que nos transformam em cães.
Coleiras que nos devoram pela garganta.
📝 Os quatro poemas são do livro Feito bala perdida e outros poemas, Ática, 2007.
🖼️ Desenho do livro “Caderno veloz de anotações, poemas e desenhos”. Melhoramentos, 2015.
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